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pessoas e coisas da vida

pessoas e coisas da vida

Setembro 29, 2021

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"O Grito" de Edvard Munch

 

Estava preso na garganta, no pensamento, no mais recôndito do seu ser, do seu subconsciente. 

Queria soltar-se, queria largar-se pelo mundo mas estava preso. 

Preso às convenções, preso às boas maneiras e à boa imagem de quem nada sofre, preso à ideia de que ninguém esperava isso dele.

Mas, quando já era impossível retê-lo, quando o soltou, o espírito também gritou e acabou a sorber o ar com sofreguidão, como se há muito lhe faltasse.

E com este grito, as pedras estremeceram, os pássaros silenciaram, o vento cessou... e o mundo chorou.

 

Texto no âmbito do desafio da Fátima Bento

 

 

 

Setembro 24, 2021

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O SONO E O SONHO

A noite tem dois filhos: um chamado Sono e outro chamado Sonho. Gosta, quando o tempo está frio, de os agasalhar debaixo do manto de veludo negro que, umas vezes enfeita com estrelas brilhantes e, outras, com nuvens carrancudas.

O Sono e o Sonho, como todos os irmãos, têm as suas brigas e aborrecimentos. E porquê? Ora, por tantas razões! Mas a principal é esta: é que o Sono gosta de dormir a bom dormir e o Sonho tem o hábito de aparecer pelo meio a meter-lhe fantasias na cabeça.

Quando isso acontece, a mãe, que gosta que a tratem apenas por Noite, sem dona nem senhora atrás do nome, aparece, faz uma festa na cabeça de cada um, dá razão aos dois e depois aconselha:

- Agora vamos dormir, porque amanhã é dia de trabalho.

De quem os dois irmãos não gostam nada é de um primo que têm chamado Pesadelo, porque é feio, irritante e tem o costume de contar histórias de arrepiar que deixam os dois muito trémulos debaixo do manto da Noite.

Um dia destes, o Sono e o Sonho decidiram fazer uma partida ao primo Pesadelo. Sabem como? Fingiram que estavam a dormir muito descansados e deixaram-no aproximar-se. Quando ele se preparava para lhes contar uma daquelas histórias de pôr os cabelos em pé, saltaram os dois da cama com lençóis brancos na cabeça, mascarados de fantasmas e pregaram um tremendo susto ao primo mal encarado que passou muitos meses sem aparecer.

Nesse dia, a Noite cobriu-se com o seu manto de estrelas brilhantes e dormiu até de manhã com os dois filhos enroscados e felizes a seu lado.

José Jorge Letria. In. Histórias do sono e do sonho. Ilustração Justine Brax

Setembro 22, 2021

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Stary night de Vincent Van Gogh.

 

Quando a 1º estrela apareceu, ela deu o 1º grito. a partir daí, as dores foram sempre aumentando até sentir que não aguantaria mais.

Entretanto, no céu, mais estrelas iam ocupando o seu lugar.

Quando sentiu que o seu corpo se desgarrava, fechou os olhos e deixou de sentir ou pensar por milésimos de segundo, para imediatamente se encontrar noutra dimensão, onde uma paz prevalecia.

Pacificamente abriu os olhos, para descobrir o milagre da vida. Um pequenino ser que respirava por 1º vez com os seus próprios pulmões, e que se lembrou de constestar a viajem que tinha acabado de fazer, exigindo tudo a que tinha direito.

Nesse momento, o céu estava já repleto de estrelas.

 

Texto no âmbito do desafio da  Fátima Bento.

Setembro 17, 2021

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Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de Setembro,
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
Meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.

Eugénio de Andrade 
In "As Mãos e os Frutos"

Setembro 15, 2021

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 "A Grande Onda de Kanagawa" de Katsushika Hokusai

 

Enfurecido, tentaste mostrar a força, o tamanho e o poder que a água te confere.

Assustaste alguns incautos desprevenidos que te menosprezaram, e que contigo nessa fúria não contavam.

Mas ao fim de um tempo, ficaste cansado e acalmaste. Ficaste mansinho, arrulhaste e tal como um espelho, reflectiste as brancas nuvens que te passavam por cima, e o sol que espreitava e que nas tuas plácidas águas dardejava.

Sabes uma coisa? Consegues ser grandioso das duas maneiras.

 

Texto no âmbito do desafio da Fátima Bento que nos quer a escrever a todos, e desta vez sobre quadros.                             Até para a semana!

 

Setembro 10, 2021

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Os múrmurios são tantos, surgindo de poços sem fundo

As vozes incomodas e sujas como as almas suspensas

O calor alaga os poros e os pensamentos derretem em líquido viscoso

Os movimentos são autónomos e incompreensíveis

O chão que pisamos vai e vem e por vezes desaparece, assustando-nos

O que somos? o que parecemos? o que será que queremos ser?

E é quando os múrmurios gritam e se exaltam

que realmente começamos a ouvir

Nós não somos, nós não parecemos

nós só queríamos ser...

Setembro 08, 2021

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Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra
Dá-me o teu antigo paletó sujo de ventos e de chuvas
Dá-me o imemorial chapéu com que cobrias a tua paciência
E os misteriosos papéis em que teus versos inscreveste.

Meu pai, dá-me a tua pequena chave das grandes portas
Dá-me a tua lamparina de rolha, estranha bailarina das insônias
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.

Vinicius de Moraes. Meu Pai
Pintura, VAN GOGH

Setembro 03, 2021

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Quero escrever uma carta, uma nota, um decreto, um recado, um simples bilhete.

Qualquer coisa que me diga algo a mim, que signifique que estou aqui, existindo através das palavras, através de emoções, pensamentos e desejos gravados num papel.

Que diga algo a alguém, que ajude, que alente, que marque a sua vida com palavras amigas capazes de fazer a diferença.

Quero escrever...qualquer coisa. 

 

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Setembro 01, 2021

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O meu menino não dorme.
Não sei como dormirá.
Lá fora a noite é enorme
E não há lua, não há…

Meu menino chora, chora,
Não tem sossego consigo
Voltei-o p’ra mim agora,
Mas não dorme, não consigo…

Já cantei quanto se canta…
Já lhe falei do papão…
Já lhe disse como encanta
A fada que tem condão…

Mas ele não dorme; vejo
Sempre os seus olhos abertos…
Dou-lhe um beijo e outro beijo
E estende os braços despertos…

Dorme, meu menino, dorme
Que a mãezinha vai dormir!
Lá fora a noite é enorme…
Dorme, meu menino, dorme
Que já te vejo a sorrir

 

Fernando Pessoa

In Poesia 1931-1935  , Assírio & Alvim

Imagem: Arthur John Elsley

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