Lá fora já brilhavam luzinhas de Natal, já a televisão debitava sugestões de prendas para todas as idades, e já todas as crianças ansiavam pela vinda do pai Natal. Mas, lá dentro, naquele edifício grande, Duarte acordou em sobressalto. Sonhara que a mãe era levada, empurrada por um vento violentíssimo sem conseguir lutar contra ele. Já de olhos bem abertos, lembrou-se que já não estava em casa, que já não estava com a mãe. Estava numa casa de acolhimento após o terem ido buscar a casa, depois de uns problemas que a mãe tinha criado. Duarte bem sabia que a mãe não estava bem, precisava de uma arejada, talvez de uma ajuda médica. No dia a seguir depois de uma noite não muito bem dormida, a Dra. Cristina veio falar com ele. Veio dizer-lhe que a avó, que chegara a visitá-lo quando era pequenino, não fazendo ideia de porque o tinha deixado de fazer, queria vê-lo, falar com ele, saber se ele estava bem. Duarte ficou confuso, não se lembrava dela. Tinha falado com ela uma vez ao telefone por insistência de sua mãe, e pronto. Era a mãe do homem que seria seu pai, mas que não tinha querido. O que queria agora? Quando chegou o dia marcado, Duarte estava assustado. Entrou na sala e viu sentada na mesa de casa de jantar, uma mulher não tão velha como as avós costumam ser. Pediram-lhe para se sentar na cadeira ao lado, e fê-lo com o olhar posto no chão. - Olá Duarte - disse a mulher. - Olá - respondeu ele. Depois, depois foi uma longa conversa, ou diria melhor, um quase monólogo. A avó falou-lhe do seu afastamento, da preocupação contínua que tinha por ele, das razões que tinham levado àquela situação e que ele um dia entenderia melhor. A vida não era só coisas bonitas e tinham de saber lidar com o outro lado, o lado dos problemas, das coisas mais escuras, e do trabalho para lhes dar luz e paz. Era um situação mesmo muito complicada, mas ela estava ali por ele e para ele. Depois dessa visita houve outras duas em que a avó quis saber dos seus gostos, qual o seu prato preferido, qual a sua brincadeira favorita, se gostava do que aprendia na escola, do que gostava de fazer quando não estava lá. Duarte acabou por sentir que aquela senhora gostava dele, que o olhava com ternura e interesse, que era meiga e carinhosa, quem sabe, talvez pudesse confiar nela. Dois dias depois da última visita, apareceu novamente. Sentaram-se os dois na sala e a avó perguntou-lhe se gostaria de de ir passar o Natal com ela e com a família que ainda não conhecia. Eram tias, primos mais ou menos da sua idade, o avô e ainda um bisavô, coisa que o Duarte não pensou que teria. A criança ficou pensativa, deveria ir? Como seria estar no meio de tanta gente que não conhecia? E a sua mãe, com quem iria passar o Natal? Eram demasiadas perguntas para o rapaz que há um mês tinha deixado a mãe. A avó compreendendo as dúvidas do neto, disse-lhe que poderia pensar com calma e que depois poderia dar a resposta à Dra. Cristina, que por sua vez lha comunicaria. Houve uma conversa entre o Duarte e a sua responsável, chegando ambos à conclusão que valia a pena a tentativa de aproximação que a família pretendia, a esperança brilhava nos olhos do rapaz. No dia 24 de manhã, a avó apareceu com um grande sorriso e pegando na pequena mala do Duarte, deu-lhe a mão e dirigiram-se ao portão de saída. A senhora sentia que algo estava a começar, sentia-se feliz como há muito não sentia. O neto, apesar de apreensivo e tendo em conta que tinha sido sempre só ele e a mãe, levava o coração leve e os desejos de finalmente conhecer uma família. Os dois olharam-se olhos nos olhos, e sorriram um para o outro, iam ter três dias para entender o passado e preparar o futuro. Ao passar por um largo, ouviram um grupo coral que cantava "a todos um bom Natal".