Setembro 09, 2022
imsilva
Mãe
Guardamos as tuas coisas, os teus brincos, os teus colares, os teus terços, as tuas malas...
Guardamos as tuas roupas que sofregamente aproximamos da cara na tentativa de sentir-te só mais uma vez.
Guardamos os teus rolos do cabelo que tantas recordações nos deixaram aos longo dos anos, religiosamente enrolados à volta das belas madeixas brancas que enfeitavam a tua cabeça.
Guardamos os teus óculos, que te deixavam tão parecida com a que chamávamos a tua irmã gémea, a rainha Isabel II. Imagina que morreu ontem, tinha de ser no mesmo ano que tu.
Mãe, guardei o teu frasco de perfume. Está ali, ao pé de mim, e de vez em quando destapo-o e sinto que entraste na minha casa. Está pertinho do teu menino Jesus, benzido pelo padre a teu pedido, assim que to ofereci.
Como vamos fazer com as gavetas vazias, com os armários sem o teu cheiro, com os cortinados que já não precisam de ser corridos?
Como vamos fazer com os teus pratos, as tuas travessas e terrinas, com os teus copos que davam para 10 mesas de 100 pessoas cada uma?
Mãe, desculpa, mandamos fora as tuas taças plásticas com tampa, onde punhas o arroz doce acabado de fazer, para te certificares que não havia perigo de derrame quando levássemos alguns para casa.
Como vamos fazer com o homem que cá ficou, perdido, mas inteiro, com a coragem de um guerreiro. O homem que aprendeu a viver sozinho sem ter com quem ralhar e discutir o episódio da novela das 18,30?
Mãe, como fazemos com o buraquinho que ficou nos nossos corações depois da tua partida?
Mãe, olhas por nós?