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pessoas e coisas da vida

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Dezembro 29, 2021

imsilva

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O Natal das nossas memórias

 

Fernanda aconchegou o casaco ao corpo, naquele Dezembro frio mas luminoso que ainda não prometia a neve que nunca mais vira, e continuou a andar, receosa do que iria encontrar uns passos mais à frente. Chegou à Rua de Baixo, o sítio onde não ia há mais de 40 anos. A aldeia de onde saíra com 10 anos de idade, para ir para o Brasil com os pais. O sítio onde ficara o seu coração na companhia dos avós que lhe tinham dado tanto amor e atenção, tantas memórias guardadas com tanto cuidado, sempre com medo que se desvanecessem.

Começou a descer a rua, notando o abandono que marcava aquelas casas que em tempos tinham estado preenchidas com vida, com risos, lágrimas e labutas. E quando finalmente lá chegou, o coração bateu mais forte, as lágrimas soltaram-se e deslizaram pelo seu rosto. Era uma ruína, umas pedras que tinham sido ocupadas por hera e plantas solitárias, e que lembravam imagens de outros tempos felizes e tão importantes na sua vida.Os avós tinham morrido cedo, cada um com a sua maleita, e a casa nunca mais tinha sido habitada. 

A saudade trouxe-lhe as memórias do último Natal que lá passara, antes daquela viajem que a levaria para tão longe. Via a mesa posta com a toalha que religiosamente saia todos os Natais, branca com azevinho bordado, sempre impecável de tão bem tratada que era. Os pratos e os copos do serviço das ocasiões especiais, e todos os acepipes e guloseimas que só a avó sabia fazer. Uma família alargada de tios e primos barulhentos, vindos de todos os cantos do pais, que enchiam a casa de alegria e confusão, e que sem isso não seria a mesma coisa.

Mas isso era o passado, o presente era isto, uma ruína, umas pedras que caladas, gritam nos silêncios de histórias sussurradas nos espaços das pedras que ficaram. Soluços ecoam nos vazios das almas, das presenças que já não estão.

Fernanda senta-se naquele muro que já foi parede, chora de saudade, e depois levanta-se, ergue a cabeça e faz o caminho de volta sentindo-se mais tranquila. Ainda bem que existem memórias...

 

 

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