Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

pessoas e coisas da vida

pessoas e coisas da vida

Julho 14, 2023

imsilva

20230714_094736.jpg

Fecharam a janela, abandonaram a vida que tinha dentro, e tudo morreu.

Quem lá habitou, riu, chorou, sentiu esperança, emocionou-se com cores e cheiros, viveu o amor e o carinho, sentiu dores e desgostos, como todos os que andam por aí.

 Hoje, tem uma cor vivida, degradada e marcada pelo abandono. Tem uma decoração da rua, dos artistas anónimos que sem pejo algum, deixam a sua marca por qualquer sítio onde a lata de spray possa trabalhar.

Gosto dos pedaços de tábuas que tentam proteger as histórias que ficaram dentro e que também terão as suas próprias para contar.

Entrei nesta casa muitas vezes. Era onde morava uma amiga minha. No rés-de-chão era uma taberna, nos pisos de cima a habitação. Uma casa cheia de vida e movimento, eram os avós, os pais e quatro filhos. Creio que três deles estão vivos, a minha amiga morreu há uns anos depois de ter passado por vários problemas de saúde.

As casas degradadas têm histórias para contar e memórias para quem as conheceu com vida dentro.

 

Fevereiro 28, 2022

imsilva

87e24264d1ff5efabb7b8abaa771a906.jpg

Como é que se deixa, larga, abandona uma casa em caso de guerra?

O que é que se leva? O que é que se deixa? Fechamos a porta à chave e guarda-mo-la no bolso à espera de voltarmos e a encontrarmos como a deixamos?

Passaram-me estas interrogações pela cabeça e pareceram-me muito ridículas. Mas há milhares de pessoas a fazê-lo presentemente, assim como foi feito durante muitos momentos da história da humanidade.

Como é que se faz isso? Põe-se meia dúzia de roupas numa mala, alguns documentos, uns trocos existentes numa gaveta, o cordão de ouro que pertenceu à nossa mãe ou os brincos que o marido nos ofereceu naquele aniversário e o resto é história?

Largamos as nossas coisas, as nossas mobílias que guardam os nossos pratos, os nossos copos, a cama onde à noite podíamos descansar depois de um dia de labuta, longe de imaginar que um dia não nos deixariam lá dormir? 

Será que deixaríamos as gavetas que guardam as nossa vidas e as nossas recordações abertas ou fechadas?. A nossa "sorte" é que as nossas memórias e vivências podem ir connosco, mas deixamos as estantes repletas com os livros que nos acompanharam, fiéis companheiros de momentos que acreditamos que eram felizes e que não podemos levar porque são muito pesados. Mesmo assim, creio que alguém terá a coragem de levar um ou dois à socapa, como conforto, como outros levarão um terço ou algo que os possa ajudar a recordar que são humanos, que não fizeram mal a ninguém e que não mereciam esta odisseia.

Regressarão? Como será o regresso, estará lá a sua casa à espera que a chave dê a volta na fechadura, abra a porta e tudo esteja bem? O que será isso de regressar e tudo estar bem? E se regressarem e nada estiver bem...?

Não referi as crianças neste texto. Nem quero...

Março 02, 2021

imsilva

FB_IMG_1612781363280.jpg

 

A Casa

Sei dos filhos
pelo modo como ocupam a casa:
uns buscam os recantos,
outros existem à janela.
A uns satisfaz uma sombra,
a outros nem o mundo basta.
Uns batem com a porta,
outros hesitam como se não houvesse saída.
Raras vezes sou pai.
Sou sempre todos os meus filhos,
sou a mão indecisa no fecho,
sou a noite passada entre relógio e escuro.
Em mim ecoa a voz
que, à entrada, se anuncia: cheguei!
E eu sorrio, de resposta: chegou?
Mas se nunca ninguém partiu…
E tanto em mim
demoram as esperas
que me fui trocando por soalho
e me converti em sonolenta janela.
Agora, eu mesmo sou a casa,
casa infatigável casa
a que meus filhos
eternamente regressam.

Mia Couto, Tradutor de chuvas

Janeiro 08, 2021

imsilva

1dbdd70bb3a62f2a9f282b8ab4e3ff51.jpg

 

A lareira estava apagada, triste, cinzenta, e o frio entrava pelas frinchas da porta e da janela.

Mas não se podia gastar a pouca lenha que havia e que tão necessária era à hora da janta, em que se cozia umas batatas e umas couves sobreviventes das geadas que ocorriam naquela altura do ano.

A casa era pequenina, só com duas habitações, a cozinha onde estava a mesa em que tudo acontecia, e o quarto com duas camas  onde todos se conseguiam aninhar, os pais e os três filhos.

O Natal tinha passado sem que dele dessem conta. Não havia festividades que entrassem naquele frio lar, onde tudo era escasso.

Nem sempre tinha sido assim, o pai sempre tinha trabalhado, ou nisto ou naquilo, os vizinhos chamavam-no para vários serviços a que ele acudia prazeroso. A mãe ajudava as senhoras das casas grandes nos seus afazeres domésticos, e nos tratamentos da roupa.

Mas agora, não havia quase vizinhos, restavam o Sr. Aurélio e a D.Gertrudes que se recusavam  a ir para casa dos filhos, e deixarem as suas raízes e a casa onde tinham criado os seus cinco filhos, mas que não deixaram de lhes dizer que eles sendo muito mais novos deveriam deixar a aldeia e ir em busca de outra vida, que a idade era outra coisa e enquanto os dois fossem vivos não tinham ensejo de sair para lado algum, que quando um faltasse, talvez...

Também as casas grandes já jaziam fechadas, embrulhadas em hera e outras ervas trepadeiras que quase tapavam as fachadas.

Os últimos tempos tinham sido conturbados. Ouviram falar de revoluções, de cravos e de mudanças de governantes, de reformas agrárias e de cooperativas, mas disso eles pouco ou nada percebiam. Só sabiam que as pessoas tinham deixado as suas vidas lá na terra, e tinham corrido atrás de promessas de melhores vidas nas cidades. Alguns havia que pareciam fugir de alguma coisa. Segundo diziam, lá na cidade era tudo mais fácil, que tudo estava à distância de dois passos.

Mas eles não quiseram sair do seu canto, da terra que amavam. Temiam as multidões, as modernices de que ouviam falar mas que não entendiam.

E os filhos cresciam, e os pais começavam a perceber que o seu futuro talvez não estivesse ali, que estava na altura de irem para uma escola aprender algo mais do que os pais tinham aprendido. Que talvez se pudessem preparar para algo mais , sem ser a luta diária que a terra dava para se viver. Mas depressa esqueciam tais dilemas quando voltavam à labuta diária, por pouco que esta rendesse.

Ao fim do dia, depois da parca refeição, olhavam um para o outro. Não estando habituados a conversar sobre a vida, ou não sabendo como fazê-lo, tentavam adivinhar o que o outro sentia, e assim iam vivendo.  

Quando o filho mais pequeno apareceu uma manhã com febres altas e completamente prostrado, foi quando decidiram que ali não faziam nada, que ali ficariam todos enterrados se não tomassem as decisões certas, isto se não fosse já demasiado tarde.

E acabou por chegar o dia em que fecharam a porta de casa, e com a claridade do dia a surgir por detrás do monte, fizeram-se ao caminho com os seus poucos haveres, o coração encolhido e a alma aberta para o que a vida lhes quisesse ofertar na linha do horizonte que viam à sua frente.

A casa

Saudade

Outubro 02, 2020

imsilva

24ccb5a5610649f66f40b26fcde9108f.jpg

Lembra-se da casa, de quando era pequena. Uma casa de tijolo, de janelas com portadas azuis e na porta um batente em forma de punho.

Que saudades...

Lá dentro as paredes estavam pintadas de um verde "seco" e as janelas, que ela se lembrava de ver o avô de vez em quando de roda delas a raspar e a pintar, eram brancas. As cortinas eram às flores, côr de rosa e vermelhas com muitas folhas de várias verdes, entre eles o tal verde "seco". E como alegravam a casa. Nessas mesmas janelas, lembrava-se de encima de um banco, espreitar para as casas do outro lado da rua, e de ver a senhora do cão a tratar do jardim e das magnificas rosas que lá tinha.

Por baixo das escadas que davam para o 1º andar, havia um espaço maravilhoso onde gostava de passar o tempo. Levava um cobertor, punha-o no chão, e era lá que lia um livro,  que pintava desenhos ou que vestia e despia as bonecas com as roupas que a avó lhes fazia.

No Inverno acendiam a lareira e sentava-se ao colo do avô para ouvir as suas histórias. A avó tinha sempre bolinhos e bolachas que fazia no grande forno da cozinha, e que deixava a casa a cheirar maravilhosamente bem. 

Que saudades...

Hoje a casa já não cheira a bolos, os avós já não estão lá há uns anos, e ela já não é pequena.

Hoje ela está à cabeceira da avó, que depois de muitos anos de luta e de dar amor e atenção a toda a gente, vive os seus últimos momentos.

E ela com saudades de tudo o que viveu naquela casa, e com quem o viveu, pensa em lá voltar, pensa que tem de vê-la porque...quem sabe?

 

Texto escrito no âmbito deste Desafio

 

 

 

Maio 02, 2020

imsilva

05071bca94f13b9ba9400db0a46cf486.jpg

Sairam os quatro do edificio.

 Já está - disse o pai 

Está feito  - disse a mãe                                                                         

Tinham acabado de casar. Depois de 14 anos de união, e de dois incriveis filhos, eram marido e mulher.

Olharam para as duas crianças com amor, e para comemorar tiraram uma selfie um tanto ou quanto bizarra, por terem as bocas e os narizes tapados por máscaras. O edificio do Registo Civil ficou por detrás, qual muda testemunha.

Vamos para casa?

Os rapazinhos não estranharam, já estavam a ficar habituados ao confinamento. Aquele dia não iria ser muito diferente. Em vez de irem festejar com a família, ou irem comer a algum sítio todos juntos, iriam para casa.

Mas o que é a nossa casa senão o nosso casulo, o sítio onde está o amor, o conforto e a felicidade?

Haveria tempo para celebrações, muito tempo... 

 

 

Abril 02, 2020

imsilva

 

64ec0d207a16b308f0fcef28e1840555.jpg

 

Ontem, no face, vi um texto de Marta Gautier . Numa época normal, aplaudiria e concordaria porque eu própria gosto muito de estar em casa. Só que não vivemos tempos normais, e quem está em casa não é por vontade própria, mas sim por imposição exterior. Para além disso, também não é uma estadia isenta de preocupações, grandes preocupações, porque não estamos a viver dos rendimentos, descansadinhas, porque as finanças estão asseguradas, (pelo menos aqui em casa). Não, tudo o que faziamos para termos o sustento assegurado, foi-se! E não sabemos quando poderemos recomeçar. Ou seja, pagar aos funcionários, pagar rendas (plural), vai continuar a acontecer, mesmo sem saber como. 

Eu também estou muito bem em casa, tenho livros, papel e lápis suficientes para ser feliz. Mas para além disso também tenho (grandes) preocupações, que não me deixam usufruir dessa felicidade, aparentemente tão fácil.

Livro dos contos de natal do Blog

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D

Livro dos contos de natal 2 do Blog

Em destaque no SAPO Blogs
pub