Introdução; Uma noite do verão passado, cheguei a casa muito cansada e já tarde, mas com a necessidade de escrever qualquer coisa. Havia uma palavra que me surgia com muita força "areia", e imaginava a areia da praia, era uma espécie de conforto que me chegava através da mente. Sentei-me e comecei a escrever. Nos dias seguintes continuei, e foi isto que saiu daquele impulso. Lembrei-me de vos ofertar com este conto, relato, história, que estava guardado e quase esquecido.
VIDA
Hora-16,30.
Frio, muito frio.
A areia estava molhada, na consistência certa para fazer bonitos castelos de areia. Estivessem ali as crianças munidas de baldes e pás, e pela certa a empreitada seria rapidamente concretizada, e surgiriam torres, muralhas, ameias e fossos colossais, onde poderia esconder mágoas, dores e prantos que lhe apertavam a garganta, o coração e a alma.
O céu estava triste, solidário com o seu próprio espírito, e a cor do mar convidava a pensamentos lúgubres e obscenos de tão maus que eram.
O telemóvel tocou
- Estou?
- Podes vir.
- OK.
E um soluço se soltou da sua garganta, que rapidamente negou e prendeu.
Emília levantou-se, sacudiu as calças molhadas da areia e dirigiu-se às escadas que a levariam para fora da praia, para um sítio onde não quereria ir de maneira alguma.
Ana, a sua grande amiga e cunhada estava à sua espera, sentada num banco. Emília chegou até ela, deu-lhe o braço, recebeu um beijo e seguiram para o seu destino. Mas não iam sós, as recordações de uma vida, iam com ela naquele regresso à casa onde Eduardo repousava.
Tinha casado aos 23 anos apaixonada. Conhecera Pedro num concerto onde fora practicamente obrigada a ir pelos amigos, que não aceitaram um não da sua parte. Pedro era amigo de Marta, uma das raparigas do grupo, e acabou por passar a noite com eles. Depois disso, passou a fazer parte de todos os encontros e programas que faziam, indo com eles aonde eles fossem.
Simpático e afável, tomou-se de amores por Emília que sem se dar conta, começou a retribuir a atenção a daí a namorarem e a casarem foi um pulinho.
Pedro estudara economia e trabalhava numa grande multi-nacional, e Emília, que sempre tinha sonhado com jornalismo, acabou por contingências da vida numa editora pequenina que, com o tempo crescera, acreditava ela que com uma boa ajuda da sua parte, e acabou por se sentir muito satisfeita e orgulhosa do seu trabalho.
Quando ficou grávida por 1º vez, apesar de não estarem à espera, aceitaram de bom grado e com muita emoção, e apaixonaram-se perdidamente por aquela coisinha doce a quem chamaram Inês. A 2º vez foi mesmo prevista e desejada, queriam dar continuidade à felicidade que tinham encontrado com a Inês, e assim nasceu a Mariana.
Fora uma bonita história, houve muito amor, muito carinho compartilhado durante uns bons anos, mas, não sabe muito bem como ou quando, durante o trajecto, apareceu uma bifurcação e aparentemente cada um seguiu um caminho diferente. Talvez tivesse sido quando depois de uma festa na empresa, Pedro acompanhou uma colega a casa, e tendo acabado por entrar para beber um café, demorou-se mais do que previa e aconteceu também mais do que o previsto. Ou quando ela sentiu necessidade de sair uns dias sozinha, por sentir que precisava de respirar e estar consigo mesma, para sentir que também existia, talvez…
Emília, na altura pensou que era difícil ter um amor para a vida, o ser humano é muitíssimo complicado, 2 seres humanos mais complicado é.
Mas, passados 3 anos conheceu Eduardo, e foi impossível não querer estar com ele todos os dias, partilhar o café da manhã com aquele sorriso, e com aqueles olhos pretos que a faziam sempre sentir, que realmente olhavam para ela.
Eduardo era irmão do marido de Ana, uma amiga recente mas muito importante nesses momentos da sua vida, e cuja amizade felizmente, tinha continuado agora com laços familiares. Este encontro com Eduardo, escultor já com algum nome no meio, deu-se quando Emília estava mais convencida que nunca, que não queria compromissos com ninguém, sentia-se bem sozinha, com a companhia das filhas que cresciam bastante equilibradas, uma vez que tinham o total apoio do pai.
Mas essa convicção foi por água abaixo depois de um fim de semana em casa de Ana no Alentejo, em que percebeu que afinal pode haver mais que um amor na vida.
E assim já tinham decorridos 21 anos. 21 anos de vida amada, de vida calma, de vida compartilhada nos bons e maus momentos, sem nunca ter ficado beliscada por isso.
Até àquele dia.
Eduardo trabalhava no quarto que lhe servia de atelier, e Emília mexia no que seria o almoço de ambos. Tinha recebido um telefonema da filha Inês, a relembrar o jantar de sábado para celebrar o 8º aniversário de Margarida, a neta mais nova, e pensava naquilo que iria comprar para a neta, quando houve um barulho mais forte que o normal, vindo do atelier. Bastante assustada dirigiu-se para lá, e ao abrir a porta, encontrou Eduardo estendido no chão a tremer convulsivamente. Depois de ter chegado o 112, tudo mudou na sua vida, nada seria como até aí.
Ana diz-lhe – entramos? Emília desperta da sua viagem ao passado, algum dele tão recente como assustador, e com um sorriso triste acena com a cabeça.
Lá dentro está o corpo de Eduardo, amavelmente os senhores da funerária e o seu irmão, estiveram a tratar dos pormenores do que se iria seguir. O que é que se iria seguir?
Neste momento Emília não quer olhar para o futuro, neste momento quer olhar para o presente e quer muito guardar o passado.