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pessoas e coisas da vida

pessoas e coisas da vida

Março 21, 2024

imsilva

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PARA ESCREVER O POEMA

O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.
O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.
Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.
Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.
Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.
E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.

Nuno Júdice

Janeiro 05, 2022

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JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in A CRIANÇA EM RUÍNAS (1ª Ed., Quasi, 2001); (Quetzal Ed., 2012)

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

*
Arte de © Tatyana Ilieva
*

(LT)

Junho 29, 2021

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MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento
lhe desmancha de pirraça; deixar a

chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será - porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes - por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha

sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa -

se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.


Poster: Endless love, © Susan Delain

 

Abril 20, 2021

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"Um velho poeta sem abrigo, daqueles que passeiam os versos entre canteiros de jardins tristes enquanto dão migalhas de pão aos pardais, ao ser perguntado sobre a existência da Ilha das Palavras, disse-me:
-Todos os poetas já a visitaram, pelo menos em sonhos.
-Mas se essa Ilha das Palavras realmente existe, onde é que fica?
-Mesmo que eu tivesse um mapa aqui à mão, teria muita dificuldade em responder-te, porque essa Ilha, sendo feita só de palavras , existe no mar da imaginação, no centro do Arquipélago das coisas sem nome.
- Eu próprio me tornei poeta depois dessa viagem e nunca mais deixei de o ser, porque um poeta nunca deixa de ser poeta, do mesmo modo que um anjo nunca deixa de ser anjo e uma ave do paraíso nunca deixa de ser uma ave do paraíso".

José Jorge Letria, A Ilha das Palavras.

Janeiro 21, 2021

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"Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte."

Alexandre O'Neill, in "No Reino da Dinamarca"
il. de Ilaria Zanellato

Janeiro 13, 2021

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Imagem, © Reni Wong

 

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

CECÍLIA MEIRELES, in OU ISTO OU AQUILO, (1964, Ed. Nova Fronteira, Brasil, 2002)






 

 

Novembro 24, 2020

imsilva

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Que nada nos limite,
que nada nos defina,
que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja nossa
própria substância,
já que viver é ser livre.

Porque alguém disse e eu
concordo que o tempo cura,
que a mágoa passa,
que decepção não mata.
E que a vida sempre,
sempre continua.

Simone de Beauvoir
il. Anne Julie Aubry

 

Biblioteca Municipal de Beja  -  José Saramago 

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