Mãe
Guardamos as tuas coisas, os teus brincos, os teus colares, os teus terços, as tuas malas...
Guardamos as tuas roupas que sofregamente aproximamos da cara na tentativa de sentir-te só mais uma vez.
Guardamos os teus rolos do cabelo que tantas recordações nos deixaram aos longo dos anos, religiosamente enrolados à volta das belas madeixas brancas que enfeitavam a tua cabeça.
Guardamos os teus óculos, que te deixavam tão parecida com a que chamávamos a tua irmã gémea, a rainha Isabel II. Imagina que morreu ontem, tinha de ser no mesmo ano que tu.
Mãe, guardei o teu frasco de perfume. Está ali, ao pé de mim, e de vez em quando destapo-o e sinto que entraste na minha casa. Está pertinho do teu menino Jesus, benzido pelo padre a teu pedido, assim que to ofereci.
Como vamos fazer com as gavetas vazias, com os armários sem o teu cheiro, com os cortinados que já não precisam de ser corridos?
Como vamos fazer com os teus pratos, as tuas travessas e terrinas, com os teus copos que davam para 10 mesas de 100 pessoas cada uma?
Mãe, desculpa, mandamos fora as tuas taças plásticas com tampa, onde punhas o arroz doce acabado de fazer, para te certificares que não havia perigo de derrame quando levássemos alguns para casa.
Como vamos fazer com o homem que cá ficou, perdido, mas inteiro, com a coragem de um guerreiro. O homem que aprendeu a viver sozinho sem ter com quem ralhar e discutir o episódio da novela das 18,30?
Mãe, como fazemos com o buraquinho que ficou nos nossos corações depois da tua partida?
Mãe, olhas por nós?