Desafio "Arte e inspiração" #6
Diferentes infâncias
Outubro 20, 2021
imsilva
O sobreiro - Rei D. Carlos de Bragança
O avô contava ao neto as vezes que tinha esfolado as pernas a trepar àquela árvore. Até lhe contou, à laia de segredo, que era por isso que ela estava vergada e ela própria esfolada também. Era da quantidade de vezes que os miúdos subiam para os seus ramos. Mas, que tinha a certeza que também estava vergada pela tristeza que sentia por já não haver crianças que a quisessem trepar. Sentia, com toda a certeza, falta do calor dos seus braços e pernas, dos seus gritos de entusiasmo quando conseguiam chegar lá acima.
O avô perguntou ao neto se queria experimentar, o neto olhou para os ramos da árvore e não se sentiu muito seguro de que seria uma coisa correcta, nem era algo que alguma vez tivesse feito ou que desejasse fazer, olhou para as suas calças e pensou no que a sua mãe diria se as esfolasse, para além da ansiedade que a ideia lhe provocava.
O avô, adivinhando os pensamentos do neto, teve pena das crianças que nunca saberiam o que era a liberdade de subir a uma árvore, e de esfolar um joelho que arderia como tudo, mas que daria tanto prestígio. Não tendo coragem de desafiar o neto para tal experiência, mais por medo dos pais do que por outra coisa, deu a mão ao neto e voltando as costas ao secular sobreiro, continuaram o passeio pela bela e calma paisagem de uma pacata aldeia, tão longe e tão perto da buliçosa cidade onde as crianças não trepavam às árvores.
Texto no âmbito do desafio da Fátima Bento.